Do Empirismo à Evidência: Por que as Ciências Policiais são o Futuro da Legitimidade Institucional

Por Cleiber Levy G. Brasilino

Vivemos numa era onde a autoridade não se impõe mais apenas pela força da lei ou pelo peso da farda. No cenário complexo que descrevo em Guerra Informacional, as instituições de segurança pública enfrentam batalhas diárias no terreno cognitivo. Para vencer a desinformação e reconquistar a confiança pública, não basta “estar certo”; é preciso provar que se age certo. É aqui que o empirismo, o “sempre fizemos assim”, deve ceder lugar à metodologia. É aqui que nascem as Ciências Policiais.

Muitos ainda desconhecem que por trás da operação policial existe (e deve existir) um arcabouço científico robusto. Mas, afinal, o que é esse “novíssimo saber” e por que ele é vital para a sobrevivência das nossas instituições e para a garantia da democracia?

O Conceito: Mais que Prática, uma Epistemologia

As Ciências Policiais não são um mero agrupamento de técnicas operacionais ou uma subcategoria do Direito. Trata-se de um campo do conhecimento transdisciplinar e autônomo. O seu objeto de estudo é duplo: a Polícia (enquanto instituição e organização) e o Policiamento (enquanto processo e ação social).

Diferente das ciências militares, voltadas para a defesa da pátria e a destruição do inimigo, a Ciência Policial é, por essência, a ciência da preservação. Ela bebe da fonte da Sociologia, da Psicologia, da Gestão, do Direito e da Ciência Política para responder a uma pergunta fundamental: como garantir a ordem e a segurança protegendo, simultaneamente, as liberdades individuais e a dignidade humana?

É a transição da “força bruta” para a “força inteligente”. É a substituição do “achismo” policial pelo Evidence-Based Policing (Policiamento Baseado em Evidências).

Uma Jornada Histórica: Do Esquecimento ao Reconhecimento

Engana-se quem pensa que este é um conceito inventado ontem. As raízes das Ciências Policiais remontam ao século XVIII, na Europa, com o Polizeiwissenschaft (Ciência da Polícia) e os estudos de teóricos como Von Justi. Naquela época, “polícia” era sinónimo de civilidade e boa administração da cidade.

Contudo, ao longo dos séculos XIX e XX, esse saber foi fragmentado e absorvido pelo Direito Administrativo e Penal, reduzindo a polícia a uma mera executora de leis, despida de capacidade pensante própria. Foi um “apagão epistémico”.

O renascimento veio no final do século XX, impulsionado pela complexidade do crime moderno e pela exigência de sociedades democráticas por uma polícia mais cidadã. Portugal foi pioneiro no mundo lusófono com o seu Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna (ISCPSI). No Brasil, travamos uma longa batalha acadêmica até a vitória recente: o reconhecimento oficial das Ciências Policiais pelo Ministério da Educação (Parecer CNE/CES nº 945/2019, homologado em 2020).

Hoje, não somos apenas operadores do sistema; somos produtores de ciência.

A Importância para as Instituições: A Blindagem da Legitimidade

Como defendo em Fundamentos da Comunicação Pública, a legitimidade é o ativo mais precioso de uma instituição. Uma polícia que age baseada na ciência erra menos, gasta melhor os recursos públicos e, crucialmente, consegue explicar as suas ações.

Quando um gestor de segurança fundamenta uma operação em dados científicos e doutrina consolidada, ele blinda a instituição contra narrativas hostis. A Ciência Policial oferece a base técnica para o que chamo de “soberania narrativa”. Deixa de ser a palavra da polícia contra a opinião pública; passa a ser a técnica comprovada contra a especulação.

A Importância para a Sociedade: Uma Polícia para o Cidadão

Para a sociedade, o avanço das Ciências Policiais é a maior garantia de direitos. Porquê? Porque a ciência exige método, e o método exige controlo.

  1. Menos Arbitrariedade: Um polícia formado cientificamente entende os fenómenos sociais. Ele não age por preconceito ou impulso, mas por análise técnica de risco e comportamento.
  2. Eficiência Real: Em vez de saturar áreas aleatoriamente, a ciência permite prever manchas criminais e alocar recursos onde realmente salvam vidas.
  3. Humanização: Ao estudar a complexidade das relações humanas (como exploro em Storytelling para o Setor Público), a Ciência Policial coloca o cidadão — e não o Estado — no centro da missão.

Conclusão

As Ciências Policiais são o elo perdido entre a autoridade e a sociedade. Elas profissionalizam o debate, elevam o nível da segurança pública e transformam o “agente da lei” num “cientista da ordem”.

Investir neste saber não é um luxo académico; é uma necessidade urgente de sobrevivência institucional e de aperfeiçoamento democrático. A verdadeira segurança não se faz apenas com armas, mas com intelecto, pesquisa e verdade.


Sobre o Autor: Cleiber Levy G. Brasilino é Doutor em Gestão Estratégica, Ciencias Policiais e Segurança Pública Preventiva, especialista em Comunicação, Psicologia, Inteligência e Direito. Autor das obras “Guerra Informacional na Segurança Pública”, “Fundamentos da Comunicação Pública para Instituições de Segurança” e “Manual de Storytelling para o Setor Público”.